Traumas na infância aumentam o risco de transtornos mentais? O que um estudo da Universidade de Sydney diz e o que não diz sobre você?
- Ana Claudia Melo
- 4 de dez.
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Atualizado: 7 de dez.

Por que esse tema importa tanto hoje? Nos últimos dias, ganhou repercussão um estudo da Universidade de Sydney indicando que pessoas que passaram por traumas na infância teriam até 50% mais risco de desenvolver transtornos mentais na vida adulta. A manchete impressiona — e pode assustar. Vivemos um momento em que a sociedade está cada vez mais consciente dos impactos emocionais das vivências precoces, mas também mais vulnerável a interpretações fatalistas.
Por isso, este artigo é um convite à reflexão fundamentada: o que esse estudo realmente significa? Ele determina o destino emocional de uma pessoa? E, principalmente, o que a ciência e a clínica mostram sobre resiliência, superação e possibilidades de cura?
1. O que o estudo realmente investigou?
O estudo analisou quase 16 mil adultos e encontrou associação entre traumas infantis e maior probabilidade de:
• ansiedade
• depressão
• abuso de substâncias
• transtornos relacionados ao estresse
No entanto, e aqui está o ponto fundamental: o estudo é observacional. Ele identifica correlação, não causalidade, ou seja, ter vivido trauma não significa que a pessoa desenvolverá, inevitavelmente, um transtorno mental.
A própria análise científica reconhece que muitos fatores — sociais, genéticos, ambientais, afetivos e culturais — influenciam o desenvolvimento emocional de cada indivíduo.
2. Trauma não é destino: a importância do olhar clínico
Como psicóloga clínica há quase 20 anos, você percebe algo que a ciência também confirma: as pessoas possuem forças de caráter que podem transformar profundamente o impacto da dor. Martin Seligman, fundador da Psicologia Positiva, afirma que “o ser humano não é apenas a soma de suas vulnerabilidades; ele é também potência, significado e possibilidade.” Na mesma linha, Viktor Frankl nos lembra que: “Entre o estímulo e a resposta existe um espaço. E é nesse espaço que reside nosso poder de escolher.”
Ou seja, ainda que a infância influencie, ela não determina quem a pessoa será. Fatores que reduzem drasticamente os efeitos do trauma:
• vínculo afetivo com ao menos uma pessoa estável
• ambiente emocionalmente seguro na adolescência
• suporte social
• fé, espiritualidade ou senso profundo de propósito
• habilidades cognitivas de reestruturação
• acesso à psicoterapia
• características individuais de resiliência
A neurociência chama isso de plasticidade neural: o cérebro é capaz de reorganizar conexões mesmo após experiências de dor.
3. Por que as manchetes podem distorcer a compreensão?
Quando um estudo diz “aumenta em 50%”, isso não significa “50% das pessoas terão transtornos”. Significa que, estatisticamente, existe uma maior chance relativa. Mas chance não é destino. É como dizer que “dirigir na chuva aumenta o risco de acidente” — mas milhões de pessoas dirigem com chuva e sem acidentes todos os dias. O risco é maior, mas não é determinante.
4. O que vemos na clínica: a possibilidade da ressignificação
Muitos adultos que passaram por traumas na infância desenvolvem:
• maturidade emocional elevada
• empatia profunda
• capacidade de acolher o outro
• senso de justiça
• espiritualidade
• força para construir relações mais saudáveis do que as que viveram
Essa é a dimensão existencial e transformadora da vida psíquica que nenhum estudo consegue capturar completamente. E quando o trauma deixa marcas, a Psicoterapia Cognitivo-Comportamental oferece ferramentas potentes para ressignificação:
• reestruturação de crenças nucleares (“eu não sou digno de amor”, “o mundo não é seguro”)
• compreensão dos esquemas formados na infância
• técnicas de exposição e processamento emocional seguro
• treino de habilidades sociais
• mindfulness e autorregulação
• desenvolvimento de novas narrativas internas
• construção de propósito e sentido
5. Exemplos e orientações práticas para quem viveu traumas na infância
Se você ou alguém próximo viveu experiências adversas, saiba:
✔ Você não é definido pelo que aconteceu - Trauma explica, mas não determina. Ele é um capítulo, não a história inteira.
✔ Buscar apoio é um ato de força, não de fraqueza - Cuidar da mente é um investimento em liberdade emocional.
✔ Sua história pode ser reescrita - Com apoio psicológico, novas escolhas são possíveis, novos vínculos podem ser construídos, e novas formas de existir podem nascer.
✔ A resiliência é treinável - Ninguém nasce pronto. Resiliência é desenvolvida — na terapia, nos vínculos, na espiritualidade e na construção de sentido.
A que conclusão chegamos?
O estudo da Universidade de Sydney é sério e importante — mas precisa ser compreendido com profundidade e responsabilidade clínica. Ele revela tendências, não destinos. Mostra risco, não condenação. E reforça algo essencial: com apoio adequado, é possível viver uma vida emocionalmente saudável, mesmo após experiências difíceis.
Se você sente que seu passado ainda ecoa no presente, a psicoterapia pode ser o caminho de ressignificação, cura e reconstrução. Se quiser dar esse passo, estou aqui para caminhar com você.
Vamos juntos construir uma vida emocional mais leve, consciente e cheia de significado.
Ana Cláudia Melo – Psicóloga Clínica


