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O ciclo da bipolaridade: mania, hipomania e depressão — por que nada disso se resume a oscilações de humor

bipolaridade e suas fases

 

      Antes de aprofundar a explicação clínica sobre os ciclos da bipolaridade, quero compartilhar algo pessoal. Na minha família, acompanhei de perto um parente que recebeu o diagnóstico de Transtorno Bipolar. Ver esse processo de dentro — suas fases de energia intensa, depois longos períodos depressivos, o impacto nas relações e no trabalho — moldou profundamente a forma como enxergo o sofrimento psicológico.

 

      Essa vivência familiar, somada aos anos de prática clínica, me ensinou algo essencial: a bipolaridade é um fenômeno complexo, que vai muito além de oscilações emocionais ou temperamento volátil. É com esse olhar — técnico, sensível e responsável — que apresento este segundo artigo da série.

 

Mania, hipomania e depressão: o coração clínico da bipolaridade

 

      O Transtorno Bipolar é marcado por episódios claros, com características bem definidas e duração específica. A American Psychiatric Association (APA) descreve esses episódios como alterações significativas no humor, na energia e na capacidade funcional — muito diferentes das flutuações cotidianas.

 

      Para entender o transtorno, é essencial compreender três estados principais:

 

  • Mania

  • Hipomania

  • Depressão bipolar

 

       Cada um deles tem sintomas, riscos e impactos distintos, e nenhum pode ser reduzido ao rótulo de “mudança de humor”.

 

1) Episódio maníaco: intensidade, impulsividade e risco elevado

 

       A mania é o ponto mais alto do transtorno — e também o mais perigoso. Os estudos clássicos de Goodwin & Jamison mostram que a mania altera profundamente o julgamento e o comportamento, fazendo com que a pessoa assuma riscos que jamais assumiria em estabilidade.

 

Características da mania segundo DSM-5:

 

  • Euforia intensa ou irritabilidade persistente

  • Aumento abrupto da energia e da atividade

  • Redução drástica da necessidade de sono

  • Grandiosidade (“eu posso tudo”, “nada vai dar errado”)

  • Comportamentos impulsivos: gastos elevados, hipersexualidade, decisões precipitadas

  • Aceleração do pensamento e da fala

  • Comprometimento funcional grave

 

      A chave diagnóstica essencial é a duração: pelo menos 7 dias, frequentemente semanas ou meses. Isso não se parece com alguém que acordou mal-humorado e sorriu à tarde. A mania é um estado clínico que altera profundamente a vida da pessoa.

 

2) Hipomania: a “versão menos intensa” que costuma ser confundida com alegria ou energia elevada

      A hipomania é um estado elevado de humor e energia, mas sem o grau de prejuízo da mania.Ainda assim, como ressalta a Organização Mundial da Saúde (OMS), ela pode levar a decisões problemáticas, conflitos interpessoais e queda subsequente no funcionamento.

 

     A hipomania inclui:

 

  • Energia e produtividade acima do habitual

  • Falta de freio nas ideias e nos planos

  • Aumento da sociabilidade e da autoconfiança

  • Irritabilidade quando contrariado

  • Sono reduzido sem sensação de cansaço

 

Diferença fundamental:


      Dura pelo menos 4 dias, mas não apresenta prejuízo funcional grave. É comum familiares acreditarem que a pessoa “está ótima”, quando na verdade está entrando em um ciclo que pode culminar em depressão profunda.

 

3) Episódio depressivo bipolar: a queda que reorganiza toda a vida

 

      A depressão bipolar é diferente da depressão unipolar. Ela é mais intensa, dura mais tempo e vem acompanhada de maior risco de suicídio. A literatura clínica de Kay Redfield Jamison descreve esse estado como “uma escuridão densa que desafia a lógica, a energia e a esperança”.

 

Sintomas típicos:

 

  • Profunda perda de interesse e prazer

  • Lentificação do pensamento

  • Cansaço extremo

  • Autoimagem negativa

  • Dificuldade de concentração

  • Alterações no sono e apetite

  • Culpa persistente

  • Risco suicida aumentado

 

      Esses episódios duram semanas a meses, e podem ser devastadores sem tratamento adequado.

 

Por que não devemos confundir “oscilação de humor” com ciclos bipolares

 

       A confusão popular entre instabilidade emocional e bipolaridade surge da aparência superficial de alguns comportamentos. Entretanto, a clínica exige:

 

  • tempo (dias, semanas, meses)

  • intensidade (sintomas que alteram funcionamento)

  • padrão (ciclos claros e recorrentes)

  • prejuízo real (financeiro, relacional, ocupacional)

 

      Rotular qualquer pessoa emocionalmente reativa como “bipolar”:

 

  • Desinforma

  • Estigmatiza

  • Prejudica o diagnóstico verdadeiro

  • Minimiza o sofrimento de quem realmente convive com o transtorno

 

        Como profissional e como familiar que já viveu esse processo, posso afirmar: não há nada de leviano no diagnóstico de bipolaridade.

 

Consequências de não identificar os ciclos corretamente

 

Sem diagnóstico e manejo adequados, o transtorno pode causar:

 

  • Perda de emprego ou rupturas profissionais

  • Problemas financeiros devido à impulsividade

  • Tensão familiar constante

  • Isolamento social

  • Risco aumentado de suicídio

  • Recaídas frequentes

 

      O reconhecimento preciso dos ciclos é o primeiro passo para evitar danos cumulativos.

 

Como a TCC ajuda no manejo dos ciclos bipolares

 

      A Terapia Cognitivo-Comportamental é uma intervenção fundamental tanto na estabilidade quanto na prevenção de recaídas. Entre suas contribuições:

 

  • Psicoeducação: compreensão dos ciclos, gatilhos e sintomas iniciais

  • Monitoramento de humor: identificar padrões antes da crise

  • Planejamento de rotina: regular sono, atividade e energia

  • Reestruturação cognitiva: lidar com crenças maníacas e pensamentos depressivos

  • Estratégias de enfrentamento: evitar comportamentos impulsivos

  • Intervenção para familiares: melhorar comunicação e reduzir conflitos

 

      A TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental) não substitui a medicação — mas aumenta consideravelmente a eficácia do tratamento.

 

      Se você quer compreender o ciclo da bipolaridade com profundidade e cuidado… A bipolaridade não é um rótulo, mas um fenômeno clínico complexo. Se você convive com alguém que apresenta sintomas ou se identifica com as descrições que leu aqui, vamos conversar. Clique no botão abaixo e fale comigo agora mesmo.

      A psicoterapia pode oferecer clareza, acolhimento e estratégias para recuperar equilíbrio e qualidade de vida.

Ana Cláudia Melo – Psicóloga clínica


 
 
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