O ciclo da bipolaridade: mania, hipomania e depressão — por que nada disso se resume a oscilações de humor
- Ana Claudia Melo
- há 7 dias
- 4 min de leitura

Antes de aprofundar a explicação clínica sobre os ciclos da bipolaridade, quero compartilhar algo pessoal. Na minha família, acompanhei de perto um parente que recebeu o diagnóstico de Transtorno Bipolar. Ver esse processo de dentro — suas fases de energia intensa, depois longos períodos depressivos, o impacto nas relações e no trabalho — moldou profundamente a forma como enxergo o sofrimento psicológico.
Essa vivência familiar, somada aos anos de prática clínica, me ensinou algo essencial: a bipolaridade é um fenômeno complexo, que vai muito além de oscilações emocionais ou temperamento volátil. É com esse olhar — técnico, sensível e responsável — que apresento este segundo artigo da série.
Mania, hipomania e depressão: o coração clínico da bipolaridade
O Transtorno Bipolar é marcado por episódios claros, com características bem definidas e duração específica. A American Psychiatric Association (APA) descreve esses episódios como alterações significativas no humor, na energia e na capacidade funcional — muito diferentes das flutuações cotidianas.
Para entender o transtorno, é essencial compreender três estados principais:
Mania
Hipomania
Depressão bipolar
Cada um deles tem sintomas, riscos e impactos distintos, e nenhum pode ser reduzido ao rótulo de “mudança de humor”.
1) Episódio maníaco: intensidade, impulsividade e risco elevado
A mania é o ponto mais alto do transtorno — e também o mais perigoso. Os estudos clássicos de Goodwin & Jamison mostram que a mania altera profundamente o julgamento e o comportamento, fazendo com que a pessoa assuma riscos que jamais assumiria em estabilidade.
Características da mania segundo DSM-5:
Euforia intensa ou irritabilidade persistente
Aumento abrupto da energia e da atividade
Redução drástica da necessidade de sono
Grandiosidade (“eu posso tudo”, “nada vai dar errado”)
Comportamentos impulsivos: gastos elevados, hipersexualidade, decisões precipitadas
Aceleração do pensamento e da fala
Comprometimento funcional grave
A chave diagnóstica essencial é a duração: pelo menos 7 dias, frequentemente semanas ou meses. Isso não se parece com alguém que acordou mal-humorado e sorriu à tarde. A mania é um estado clínico que altera profundamente a vida da pessoa.
2) Hipomania: a “versão menos intensa” que costuma ser confundida com alegria ou energia elevada
A hipomania é um estado elevado de humor e energia, mas sem o grau de prejuízo da mania.Ainda assim, como ressalta a Organização Mundial da Saúde (OMS), ela pode levar a decisões problemáticas, conflitos interpessoais e queda subsequente no funcionamento.
A hipomania inclui:
Energia e produtividade acima do habitual
Falta de freio nas ideias e nos planos
Aumento da sociabilidade e da autoconfiança
Irritabilidade quando contrariado
Sono reduzido sem sensação de cansaço
Diferença fundamental:
Dura pelo menos 4 dias, mas não apresenta prejuízo funcional grave. É comum familiares acreditarem que a pessoa “está ótima”, quando na verdade está entrando em um ciclo que pode culminar em depressão profunda.
3) Episódio depressivo bipolar: a queda que reorganiza toda a vida
A depressão bipolar é diferente da depressão unipolar. Ela é mais intensa, dura mais tempo e vem acompanhada de maior risco de suicídio. A literatura clínica de Kay Redfield Jamison descreve esse estado como “uma escuridão densa que desafia a lógica, a energia e a esperança”.
Sintomas típicos:
Profunda perda de interesse e prazer
Lentificação do pensamento
Cansaço extremo
Autoimagem negativa
Dificuldade de concentração
Alterações no sono e apetite
Culpa persistente
Risco suicida aumentado
Esses episódios duram semanas a meses, e podem ser devastadores sem tratamento adequado.
Por que não devemos confundir “oscilação de humor” com ciclos bipolares
A confusão popular entre instabilidade emocional e bipolaridade surge da aparência superficial de alguns comportamentos. Entretanto, a clínica exige:
tempo (dias, semanas, meses)
intensidade (sintomas que alteram funcionamento)
padrão (ciclos claros e recorrentes)
prejuízo real (financeiro, relacional, ocupacional)
Rotular qualquer pessoa emocionalmente reativa como “bipolar”:
Desinforma
Estigmatiza
Prejudica o diagnóstico verdadeiro
Minimiza o sofrimento de quem realmente convive com o transtorno
Como profissional e como familiar que já viveu esse processo, posso afirmar: não há nada de leviano no diagnóstico de bipolaridade.
Consequências de não identificar os ciclos corretamente
Sem diagnóstico e manejo adequados, o transtorno pode causar:
Perda de emprego ou rupturas profissionais
Problemas financeiros devido à impulsividade
Tensão familiar constante
Isolamento social
Risco aumentado de suicídio
Recaídas frequentes
O reconhecimento preciso dos ciclos é o primeiro passo para evitar danos cumulativos.
Como a TCC ajuda no manejo dos ciclos bipolares
A Terapia Cognitivo-Comportamental é uma intervenção fundamental tanto na estabilidade quanto na prevenção de recaídas. Entre suas contribuições:
Psicoeducação: compreensão dos ciclos, gatilhos e sintomas iniciais
Monitoramento de humor: identificar padrões antes da crise
Planejamento de rotina: regular sono, atividade e energia
Reestruturação cognitiva: lidar com crenças maníacas e pensamentos depressivos
Estratégias de enfrentamento: evitar comportamentos impulsivos
Intervenção para familiares: melhorar comunicação e reduzir conflitos
A TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental) não substitui a medicação — mas aumenta consideravelmente a eficácia do tratamento.
Se você quer compreender o ciclo da bipolaridade com profundidade e cuidado… A bipolaridade não é um rótulo, mas um fenômeno clínico complexo. Se você convive com alguém que apresenta sintomas ou se identifica com as descrições que leu aqui, vamos conversar. Clique no botão abaixo e fale comigo agora mesmo.
A psicoterapia pode oferecer clareza, acolhimento e estratégias para recuperar equilíbrio e qualidade de vida.
Ana Cláudia Melo – Psicóloga clínica


