Nem tudo vem da infância: um olhar científico sobre crenças, traumas e desenvolvimento psicológico
- Ana Claudia Melo
- 6 de dez.
- 3 min de leitura
Atualizado: 7 de dez.

Durante muito tempo, especialmente em discursos motivacionais e em formações para coaches, difundiu-se a ideia de que todos os nossos problemas emocionais na vida adulta se originam de “crenças limitantes” formadas na infância ou na adolescência. Essa explicação seduz pela simplicidade e pela sensação de que, se localizarmos “o trauma original”, todas as dificuldades se dissolverão. No entanto, a psicologia científica — e, em especial, a TCC contemporânea — mostra que essa narrativa é incompleta e reducionista. O ser humano é resultado de múltiplos fatores que incluem história, ambiente, biologia e escolhas, e não apenas de experiências infantis. É importante compreender essa complexidade para que o processo terapêutico seja mais efetivo e realista.
Autores como Aaron Beck, criador da Terapia Cognitivo-Comportamental, já destacavam que as crenças centrais podem se originar na infância, mas também podem surgir ao longo da vida adulta. Beck afirma que “as crenças são moldadas tanto por experiências precoces quanto por eventos significativos posteriores”, o que desmonta a ideia de que tudo é determinado pelos primeiros anos. Da mesma forma, Judith Beck ressalta que a formação cognitiva é contínua e dinâmica, sendo constantemente reorganizada à medida que vivenciamos perdas, frustrações, desafios profissionais e relacionamentos afetivos. Portanto, a causalidade psicológica é multifatorial e não se restringe à infância.
Um dos erros conceituais mais comuns ao pensar a vida emocional é assumir que um único fator — no caso, a infância — explica todos os problemas. Paul Gilbert, referência em Psicologia da Compaixão, lembra que a mente humana é produto da interação entre capacidades evolutivas, ambiente e experiências pessoais. Nosso funcionamento não é determinado por uma narrativa única, mas por múltiplas forças que atuam simultaneamente. Ignorar esses fatores pode levar a interpretações equivocadas sobre sofrimento emocional e, pior, a tratamentos inadequados que tentam “corrigir” traumas inexistentes.
A ciência psicológica contemporânea aponta que crenças e padrões emocionais podem emergir em qualquer fase da vida, especialmente diante de situações de alto impacto. Eventos como divórcio, falência, violência, pressão profissional, luto e mudanças bruscas de contexto social podem gerar distorções cognitivas tão intensas quanto as provocadas por experiências infantis. O psiquiatra Viktor Frankl, ao analisar o sofrimento humano, já alertava que a vida adulta também produz rupturas profundas e decisivas. Assim, reduzir tudo ao passado infantil é uma forma de negligenciar o peso do presente.
Para compreender de forma clara por que nem tudo vem da infância, considere estes pontos fundamentais:
A mente é plástica ao longo da vida. Neurocientistas como Norman Doidge mostram que o cérebro mantém capacidade de reorganização estrutural e funcional mesmo na idade adulta.
Experiências traumáticas tardias também moldam crenças. A TCC reconhece que crenças intermediárias e pensamentos automáticos podem surgir após eventos críticos, independentemente da infância.
A personalidade não é estática. Estudos longitudinais indicam que mudanças significativas podem ocorrer ao longo da vida adulta, influenciadas por trabalho, vínculos afetivos e contexto sociocultural.
Fatores biológicos têm peso real. Condições como transtornos de ansiedade, depressão e vulnerabilidades emocionais podem derivar de predisposições genéticas, não de crenças infantis.
O ambiente atual importa. Rotina exaustiva, estresse prolongado, sobrecarga profissional e conflitos familiares podem gerar sofrimento psicológico sem qualquer conexão com o passado remoto.
Essa visão multifatorial não nega a importância da infância, mas devolve à psicologia sua complexidade natural. A infância, de fato, é um período significativo para o desenvolvimento emocional, porém não é o único responsável pelo que sentimos ou pensamos. Jeffrey Young, criador da Terapia do Esquema, reforça que muitos esquemas disfuncionais se formam precocemente, mas observa que “eventos adultos podem reativar, intensificar ou até mesmo criar novos padrões emocionais”. Isso significa que a terapia não precisa ser um mergulho exclusivo no passado; ela pode — e deve — considerar o presente como força ativa de mudança.
Ao compreender que nem tudo é “crença infantil”, o paciente encontra um caminho mais realista para seu próprio processo terapêutico. Ele se percebe capaz de modificar padrões, enfrentar dificuldades e construir novos significados ao longo da vida. A TCC, nesse sentido, oferece instrumentos concretos para reestruturação cognitiva, manejo emocional e desenvolvimento de competências que não dependem de revisitar traumas antigos, mas de repensar como a pessoa interpreta e reage à sua vida atual.
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Ana Cláudia Melo - Psicóloga Clínica


