Bipolaridade não é mudança de humor: entenda o que realmente é o transtorno bipolar
- Ana Claudia Melo
- 15 de dez.
- 3 min de leitura

A palavra “bipolar” virou expressão cotidiana. Nas famílias, nas empresas e nas redes sociais, tornou-se comum ouvir: “Essa pessoa é bipolar; só pode!” Basta alguém alternar alegria e irritação no mesmo dia para receber o rótulo — rápido, leve e equivocado. Entretanto, no campo da psicologia e da psiquiatria, o Transtorno Bipolar (TB) é um diagnóstico sério, complexo e muito distante dessa oscilação emocional passageira.
É fundamental desfazer esse mito, não apenas por rigor técnico, mas para proteger quem realmente convive com essa condição. Como nos lembram Goodwin & Jamison, dois dos maiores estudiosos do tema, o transtorno bipolar “não é um temperamento volátil — é um distúrbio de ritmo, intensidade e duração do humor, profundamente biológico e marcadamente clínico”. A definição é elegante e direta: bipolaridade é doença, não adjetivo.
Mudança de humor não é episódio maníaco
Todos nós oscilamos emocionalmente: acordamos animados, terminamos o dia exaustos; celebramos conquistas e explodimos em irritação no trânsito. Essas flutuações fazem parte do funcionamento humano saudável.
Já o episódio maníaco, que caracteriza o TB, é algo diferente e muito mais intenso.
Segundo o DSM-5 e a American Psychiatric Association (APA), a mania envolve:
Aumento anormal e persistente de energia, acompanhado de humor expansivo ou irritável.
Alterações comportamentais marcantes, como impulsividade, redução drástica da necessidade de sono, gastos excessivos e comportamentos de risco.
Ideias grandiosas, sensação de invencibilidade ou juízo crítico prejudicado.
Comprometimento funcional significativo, que afeta trabalho, relações e autonomia.
O ponto decisivo é que não estamos falando de minutos ou horas de oscilação, mas de padrões persistentes e clinicamente relevantes.
A importância do tempo: semanas, e não minutos
A psicopatologia é clara: sem o componente temporal adequado, não existe diagnóstico de bipolaridade. A mania verdadeira dura no mínimo 7 dias, segundo a APA, e frequentemente estende-se por semanas a meses. A depressão bipolar, por sua vez, costuma prolongar-se por longos períodos, trazendo prejuízo profundo para o funcionamento diário.
Essa característica temporal afasta o transtorno bipolar de qualquer semelhança com temperamento difícil” ou reatividade emocional intensa. Confundir irritabilidade momentânea com mania é como confundir uma garoa com uma tempestade tropical — os fenômenos podem parecer semelhantes à superfície, mas suas causas, impactos e durações são incomparáveis.
O problema de usar “bipolar” como rótulo casual
Rotular qualquer pessoa impulsiva ou instável como “bipolar” não é apenas tecnicamente incorreto. É prejudicial — e por vários motivos.
Desinforma: cria uma noção equivocada sobre uma condição psiquiátrica séria.
Estigmatiza: transforma um diagnóstico clínico em insulto ou brincadeira.
Banliza o sofrimento real: pessoas com TB enfrentam desafios profundos e diários, invisíveis ao olhar leigo.
Dificulta o diagnóstico correto: pois sintomas reais podem ser ignorados ou normalizados.
A OMS lembra que transtornos do humor exigem tratamento adequado para reduzir o risco de suicídio, recaídas, rupturas profissionais e prejuízos funcionais. Quando tratamos bipolaridade como meme, criamos barreiras invisíveis para quem precisa de acolhimento e cuidado especializado.
Bipolaridade não é:
Alguém que explode emocionalmente ao longo do dia.
Uma pessoa intensa, criativa ou temperamental.
Mudanças repentinas de humor diante de frustrações cotidianas.
Estresse, irritação ou instabilidade emocional.
Borderline, TDAH ou impulsividade.
Bipolaridade é:
Uma condição clínica definida por episódios de mania ou hipomania.
Um distúrbio com base neurobiológica.
Uma alteração significativa na energia, comportamento e percepção de si.
Um quadro de longa duração, que alterna fases maníacas e depressivas, muitas vezes separadas por períodos de estabilidade.
Uma condição que exige acompanhamento psicológico e psiquiátrico contínuo.
Como afirma Kay Redfield Jamison — pesquisadora e também diagnosticada com TB — “a mania rouba o julgamento, a depressão rouba a esperança, mas o tratamento devolve a vida”.
Por que essa distinção importa tanto?
A distinção é vital porque o tratamento adequado depende de um diagnóstico preciso.Confundir instabilidade emocional com bipolaridade desvia a atenção de condições que realmente precisam de acompanhamento, como:
Ansiedade generalizada
Burnout
Borderline
Transtornos do estresse
Reatividade emocional acumulada
Além disso, reforça uma concepção distorcida que prejudica tanto pacientes quanto familiares.
Ao educarmos sobre o que o transtorno bipolar realmente é, produzimos um ambiente mais ético, responsável e acolhedor para quem convive com a condição.
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Ana Cláudia Melo - Psicóloga clínica


