A anatomia da ferida invisível: o custo psicológico de viver sob a violência
- Ana Claudia Melo
- 3 de nov.
- 4 min de leitura

Prezados leitores, é com profundo respeito e sensibilidade que abordo um tema que, infelizmente, é parte intrínseca do cotidiano de milhões de brasileiros, especialmente na cidade do Rio de Janeiro: o custo emocional de se conviver diariamente com a violência social.
Os eventos recentes no Complexo do Alemão e da Penha, que resultaram em um número trágico de fatalidades, são um doloroso lembrete de que, para muitas comunidades, a guerra não é uma notícia distante na televisão, mas sim a realidade palpável que atravessa muros, janelas e, o mais importante, a psique humana.
A Normalização do Trauma: Uma Sobrevivência de Alto Custo
Quando falamos em violência no Brasil, não estamos tratando de eventos isolados. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública demonstram que, embora haja variações regionais, o país consistentemente figura entre os mais violentos do mundo, apresentando taxas de mortalidade violenta intencional significativamente elevadas (em 2023, por exemplo, a taxa foi de 22,8 por 100 mil habitantes, patamar muito acima do que é considerado aceitável globalmente).
Para a população que reside em áreas de risco, a violência não é apenas o confronto que ceifa vidas; é o estresse crônico de não saber se o filho voltará da escola, se o barulho de fogos é uma festa ou um tiroteio, e se o serviço de saúde estará disponível. Essa exposição prolongada, essa hipervigilância constante, impõe um fardo psicológico brutal que se manifesta de forma silenciosa e, muitas vezes, é ignorado pela sociedade.
A causa e efeito aqui é direta: a imprevisibilidade e o medo inerentes ao ambiente de violência crônica ativam de forma persistente o sistema de resposta ao estresse do corpo. O estado de "luta ou fuga" torna-se o modo operacional padrão, levando a um desgaste físico e mental que pavimenta o caminho para o surgimento de diversos transtornos.
Os transtornos que a violência semeia
A vivência ou o testemunho de eventos traumáticos – como o que a população carioca enfrenta – não deixa apenas marcas sociais, mas profundas cicatrizes invisíveis na mente. Entre os principais transtornos que podem surgir, ou ser exacerbados, destacamos:
Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT): O mais evidente. Caracteriza-se por flashbacks (revivescências intrusivas do trauma), pesadelos, esquiva de lembretes do evento e um estado de hipervigilância constante. Pessoas expostas à violência urbana crônica podem desenvolver um TEPT complexo, onde o trauma é prolongado e repetitivo.
Transtornos de Ansiedade: A ansiedade generalizada e as crises de pânico tornam-se comuns. O medo de ser vítima se estende a todas as áreas da vida, limitando o ir e vir e comprometendo a qualidade de vida. O estado de alerta contínuo é, em essência, a ansiedade em sua forma mais destrutiva.
Depressão: A desesperança e o sentimento de impotência diante de uma realidade que parece imutável e violenta levam a quadros depressivos, com perda de interesse, tristeza profunda, alteração no sono e, em casos mais graves, ideação suicida.
Fadiga da Violência (ou Dessensibilização): Em um mecanismo de autoproteção perverso, a exposição constante pode levar à naturalização do horror. As pessoas passam a se dessensibilizar, aceitando a violência como "o normal". Embora isso possa parecer uma adaptação, compromete a coesão social e a capacidade de buscar ativamente a mudança, reforçando o ciclo de vulnerabilidade.
A Autoridade da Psicologia sobre a Questão
Para aprofundar a compreensão desse fenômeno, é fundamental citar a perspectiva de profissionais que se dedicam ao estudo da violência e seu impacto. No Brasil, o trabalho de psicólogos e pesquisadores de universidades tem sido crucial. Um nome de destaque na área de psicologia social e violência é o de Dr. Julio Jacobo Waiselfisz (1945-2023), sociólogo e psicólogo que foi coordenador da área de Estudos da Violência na Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais) e responsável pelo desenvolvimento do Mapa da Violência, uma das maiores e mais influentes compilações de dados sobre a letalidade no país.
Seus estudos e análises trouxeram a dimensão dos custos humanos e sociais da violência de forma inegável, ligando diretamente as altas taxas de homicídios e mortes violentas à exclusão social e às desigualdades. A violência é, portanto, um sintoma de um sistema social doente que exige, para além de medidas de segurança, um olhar atento para a saúde mental e o desenvolvimento humano das populações afetadas.
Terapia Cognitivo-Comportamental como ferramenta de resiliência
Enquanto psicóloga especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), acredito firmemente na capacidade de intervenção e ressignificação do trauma. A TCC oferece ferramentas estruturadas para:
Identificar e Modificar Padrões de Pensamento Disfuncionais: A hipervigilância e o medo constante estão ligados a crenças centrais de perigo e vulnerabilidade. A TCC ajuda a reavaliar a realidade de forma mais adaptativa, distinguindo ameaças reais de percepções ampliadas.
Desenvolver Habilidades de Enfrentamento (Coping): Técnicas de regulação emocional e relaxamento são essenciais para reduzir a ansiedade crônica e os sintomas somáticos associados ao estresse.
Processamento do Trauma: Utilizando técnicas baseadas em evidências, é possível dessensibilizar a resposta ao trauma, permitindo que a memória seja integrada sem o poder paralisante do medo.
Não sofrer em silêncio: um convite à ação
Se a leitura deste artigo ressoou com a sua experiência, se você ou alguém próximo tem vivido em um estado de alerta constante, com ansiedade, dificuldade para dormir ou sentimentos de desesperança, saiba que você não precisa carregar esse fardo sozinho. A violência social deixou uma ferida, mas a psicologia pode ser o caminho para a cicatrização.
Sou Ana Cláudia (CRP 02/13227) – Psicóloga especialista em TCC. O sofrimento gerado pela violência crônica é legítimo e tratável. Entre em contato para agendar uma primeira sessão e começar o seu processo de recuperação e fortalecimento emocional. Seu bem-estar é prioridade.


